quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Saiba por que amamos tanto os animais!

Goste-se ou não, a elevação do status dos animais a integrantes da família está aí. Basta passear pelos perfis de amigos e parentes nas redes sociais para constatá-lo. As fotos do cachorro disputam espaço com as do bebê. As declarações de amor aos animais se sucedem em cascata. Vídeos que capturam a fofurice de cãezinhos e as proezas de bichanos – já viram os gatos cantores? – são campões absolutos de audiência. A oferta de produtos e serviços para os bichos de estimação é mais um indício de amor desmedido: há de padaria a manicure especializada, num mercado que movimenta R$ 12,5 bilhões por ano no país. Estima-se que os brasileiros, donos de 101 milhões de animais domésticos, gastem R$ 400 mensais em cuidados com eles.
Há um local, porém, onde a profundidade do sentimento é testada para além do consumismo e do modismo – as salas de espera dos hospitais veterinários. Ali, a afirmação de Thoreau soa ainda mais verdadeira. Nesse espaço de apreensão e dor se manifestam, com toda a clareza, os laços profundos que ligam os humanos aos bichos. Os donos, que muitas vezes não aceitam ser chamados por esse nome – preferem ser pais, mães ou, no mínimo, tutores –, estão dispostos a qualquer coisa para salvar seus animais ou para evitar que eles sofram. Na recepção do Hospital Veterinário Sena Madureira, um dos melhores e mais caros do país, famílias inteiras esperam por notícias. Alguns, com olhos marejados, observavam o vaivém de jalecos brancos na escadaria que conduz às salas de exames. Pelos corredores, acompanhantes vagam com ar preocupado, roendo unhas e entornando goles de café. Uma garotinha vestida com o uniforme da escola chega para o horário de visitas. “Vim ver minha irmã mais nova”, diz Laura Aragão, de 9 anos. Hanna, a “irmã” de Laura, é uma fêmea da raça dog alemão de 3 anos e 60 quilos. Os veterinários investigavam a causa da paralisia do sistema digestivo de Hanna, internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) havia seis dias. No hospital, há a opção da UTI humanizada, cuja diária custa a partir de R$ 900. Lá, os donos podem se internar com seus bichos. Com isso, o hospital tenta diminuir o estresse causado pela separação. Esse arranjo foi inspirado em estudos com bebês humanos que sugerem melhora quando as mães ficam na UTI neonatal. No Sena Madureira, há suítes com sofá-cama, frigobar, TV a cabo, ar-condicionado e serviço de quarto. O objetivo dessa estrutura, diz a administração, não é apenas dar conforto físico aos humanos, mas garantir o conforto psicológico dos bichos. Para quem quiser também um veterinário exclusivo, a diária sobe para R$ 2.800.

 Há quem diga que a afeição pelos animais é proporcional ao dinheiro que se tem para gastar no cuidado com eles, mas essa afirmação é desmentida pelas filas na porta do primeiro hospital veterinário público do país, no bairro do Tatuapé, em São Paulo. Inaugurado em julho, o hospital foi criado para atender a população carente. Lá, as filas começam antes do nascer do sol. Muitas pessoas voltam para casa com seus bichos doentes porque as senhas para um dos 30 atendimentos diários se esgotam rapidamente. Para conseguir uma consulta é preciso passar pela análise de uma assistente social, que avalia se a pessoa teria condições de pagar por serviço privado. A dona de casa Nelzita Bastos, de 59 anos, passou a noite inteira na fila para conseguir atendimento para Sarita, uma fêmea da raça pastor-belga, que está com câncer. A aposentada Daisy Veneziani, de 56, e o marido, Jonas Oliveira, preferiram perder o casamento civil de um dos filhos de Oliveira para não desmarcar a operação que haviam conseguido para o boxer da família, também com câncer. “Desejei uma boa lua de mel aos dois pelo telefone e vim acompanhar o Athos. Ele precisa mais de mim”, disse Oliveira, enquanto Daisy ajeitava o cobertor com estampas da Disney sobre o corpo do cachorro na maca. “Coitadinho do meu bebê”, dizia ela.

Com tantas explicações sobre por que nos afeiçoamos aos bichos, o comportamento de quem não dá brecha a intimidades com eles parece até fora dos padrões. É o tipo de pessoa, muito comum, que diz “bicho é bicho, gente é gente” e não faz festa para os cachorros dos outros. A distância que eles impõem aos animais, segundo os estudiosos, é apenas um traço de personalidade. “São pessoas que tendem a sobrepor os aspectos práticos da vida a valores como o companheirismo oferecido pelos animais”, diz a veterinária Ceres Faraco, presidente da Associação Médico-Veterinária Brasileira de Bem-Estar Animal. Isso nem sempre é definitivo. O empresário Jair Barcellos hesitou em aceitar o cachorro Samir, que a mulher apanhara na rua, mas se afeiçoou rapidamente ao bichinho. Quando Samir adoeceu, Jair gastou R$ 6 mil para tratá-lo. “Teria feito muito mais”, diz ele. O cão morreu, e Barcellos sentiu-se abalado. “O que faço com esse vazio, agora?” Definitivamente, ninguém está imune aos animais. 

por Marcela Buscato e Marcela Ziemkiewicz, na revista Época.
Texto adaptado.

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